Plano Aberto

John Wick: Um Novo Dia para Matar

Imagem de John Wick: Um Novo Dia para Matar com o rosto de Keanu Reeves ferido rodeado por mãos apontando armas para o personagem

Mesmo sendo extremamente bem sucedido comercialmente, John Wick (2014) tem seus tropeços. A obra possuía um ritmo extremamente acelerado para, em sua segunda parte, mudar o foco da narrativa a fim de surpreender o público. O resultado, porém, foi uma conclusão insatisfatória que tirou alguns pontos do bom filme. Felizmente, sua continuação surpreenderá até os detratores do antecessor. John Wick “2″ consegue potencializar tudo que o original acertou, explorar as qualidades subaproveitadas e eliminar erros bobos que prejudicariam o produto final. O resultado é o melhor filme de ação produzido em Hollywood desde Mad Max: Estada da Fúria.

A trama é bastante simples (ufa!): um velho amigo visita John Wick exigindo que ele cumpra sua parte de um acordo do passado. Como o trato faz parte de uma lei do “submundo dos assassinos”, John não pode nega-lo, ou enfrentará as consequências (também conhecidas como morte). Wick, então, precisa preparar-se e partir em sua missão, a fim de, finalmente, se libertar de seu passado.

A cena que abre o filme já é um perfeito foreshadowing (artifício narrativo para dar uma dica do que está por vir em uma obra) do que veremos nos 122 minutos de metragem de John Wick “2”: uma projeção de uma cena do cinema clássico ilustrando um acidente de carro para, em seguida, mostrar uma perseguição e um acidente nas ruas de Nova Iorque. A mensagem é clara: JWUm Novo Dia para Matar é um filme de ação à moda antiga. Pensado e feito como cinema, não como um videoclipe insípido como na franquia Transformers ou Velozes & Furiosos.

A diferença da franquia para os colegas de gênero é clara. Boa parte dos atuais filmes de ação constroem suas sequências mais intensas com um desnecessariamente alto número de cortes (às vezes, mais de um por segundo) e utilizando várias câmeras para fazer o mesmo registro, resultando ou em cenas de impossível compreensão ou em uma insuportável repetição de um mesmo take. John Wick vai na contramão e trabalha sua mise-en-scène. Todo cenário é não só bem apresentado, mas bem construído. Os elementos que dão o tom às cenas são cautelosamente inseridos pela direção de arte, fotografia e direção.

Estão lá os objetos que decoram e eventualmente serão puxados para dentro da ação por algum dos personagens, a iluminação estilizada com forte uso contrastante de vermelho e rosa com tons de azul para criar uma sensação de urgência e violência, o uso de água no chão para melhor refletir as luzes e causar impacto nas quedas durante os combates corpo-a-corpo… Tudo isso bem aproveitado em sequências de luta que não possuem planos com menos de dois segundos, muitas vezes construindo embates inteiros em apenas um take. Ainda há, para coroar, uma coreografia extremamente discreta nos confrontos, tornando tudo mais visceral e humano, longe das lutas fantasiosas e exageradas que enchiam linguiça nos filmes de ação da década passada.

A trilha sonora e o design de som trabalham juntos para dar impacto ao filme. Boa parte da violência de “JW2″ é bem escondida pelos cortes, iluminação e posicionamento de câmera, restando à equipe de som criar os barulhos necessários para impressionar o público. Desde ossos quebrando a tiros e perfurações nos corpos, tudo possui um efeito sonoro mais chamativo do que visual. Este trabalho, em parceria com a intensa trilha musical calcada em arranjos de guitarra e bateria muito puxados para um agitado rock industrial, tornam a parte sonora do filme essencial para o funcionamento da narrativa.

Mas a ação da franquia já é notoriamente bem construída desde 2014. O que destaca a continuação de seu antecessor é a escala. Se no original de 2014 John enfrentava uma dúzia de inimigos em uma pequena boate, aqui o personagem já está fortemente armado em uma festa dentro de um verdadeiro castelo, enfrentando um exército de dezenas de adversários.  A auto-referência também intensifica o humor do filme, que era bem mais leve na obra anterior. Desde piadas sobre feitos passados como intertexto que faz referência a outras franquias, John Wick é muito feliz ao arrancar risadas do espectador entre uma cena de ação e outra.

Outro elemento bem explorado (e que havia deixado um gostinho de “quero mais” no primeiro filme) é todo o submundo dos assassinos. Desde suas regras, sistema monetário e hierarquia até os princípios morais. Se no primeiro tudo existia apenas para enriquecer o background da narrativa, aqui o personagem imerge nas profundezas dessa verdadeira dimensão paralela, o que proporciona a introdução de interessantíssimos novos personagens e núcleos (que podem e devem ser aproveitados numa eventual continuação – por favor, aconteça).

Infelizmente, JW: Um Novo Dia para Matar tem seus tropeços. E estes não são tão pequenos quanto poderiam (mesmo que, aparentemente, a obra tenta tentado minimiza-los na montagem por meio do reencaixe de cenas). Após começar com uma intensa injeção de adrenalina, o filme tem uma quebra de ritmo em seu segundo ato que perdura por bons vinte ou trinta minutos. Quebra essa que poderia ser muito amenizada por pequenos cortes no roteiro, como quando um personagem rejeita uma oferta para, após uma pequena briga e uma conversa, aceita-la. Um ajuste para que o impasse fosse resolvido já na primeira conversa entre os personagens poderia poupar quase dez minutos de projeção e não alteraria em nada o desenvolvimento da trama e dos personagens.

Mesmo escorregando na estrutura de seus atos (é justo dizer que o filme é desequilibrado, não havendo uma boa cadência entre ação e desenvolvimento – ambos estão bem distantes durante a projeção), John Wick: Um Novo Dia para Matar é uma verdadeira aula de como fazer um bom blockbuster. Sequências estonteantes que tiram o fôlego do público graças a continuidade e brutalidade imprimidas, personagens interessantes e bem interpretados por um elenco carismático e seguro, trilha sonora impactante que, aliada ao design de som, proporcionam uma experiência audio-visual completa e uma boa dose de violência controlada e um humor ora hilário no intertexto (que faz referência a outros filmes), ora sutil inserido pelo subtexto (reparem como na cena do metro, John repete uma situação de seu passado que se tornou lenda urbana).

É. Não dá pra reclamar. O público pediu bons filmes de ação, eis que Chad Stahelski nos dá a melhor franquia do gênero em anos. Torçamos pelo sucesso de John Wick “2”. E que venha a parte 3.

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