Plano Aberto

Me Chame Pelo Seu Nome

Moonlight, um dos grandes vencedores do Oscar 2017, é constantemente limitado ao ser definido como “filme LGBTQ”. Muito além disso, Moonlight é uma obra sobre autoaceitação e autodescoberta, usando a sexualidade de seu protagonista como uma ferramenta para desenvolver tais ideias. Caso semelhante ocorre com o maravilhoso Me Chame Pelo Seu Nome, novo filme do italiano Luca Guadagnino.

A história acompanha Elio Perlman, adolescente que vive pacata rotina em seu pequeno vilarejo, na Riviera Italiana. Seu pai, um respeitado professor especialista em cultura greco-romana, costuma receber, nos verões, acadêmicos de outras partes do mundo, que o buscam para colaborar em projetos e compartilhar pesquisas. A chegada de um novo aluno, porém, acaba mudando o clima da casa.

Mas engana-se o espectador que de Me Chame Pelo Seu Nome espera um romance. Sim, há românce, há tensão, há sexualidade. Mas Guadagnino utiliza o cenário projetado para fazer de sua obra um dos melhores coming-of-age de 2017, pois a narrativa nunca depende efetivamente dos relacionamentos de Elio, mas sim se seus desejos, impulsos e decepções – e para isso, a câmera constantemente fecha o plano nos olhares, sorriso e gestos com as mãos do personagem, o que permite que criemos intimidade e que possamos compreender sua inquietude e amadurecimento.

Como todo bom roteiro deveria ser, o de James Ivory é discreto e pouco revelador. Sequer as ocupações dos personagens são explicitadas. Tudo é desenvolvido naturalmente, uma informação aqui e outra ali podem ser extraídas de diálogos triviais entre os personagens, o que permite que a narrativa se desenvolva com uma abordagem natural. Aqui, a câmera, quase sempre distante e administrando planos abertos, médios e, em raros momentos, primeiros planos, faz com que o espectador assuma uma postura quase de voyeur diante da crescente tensão sexual existente entre Elio e Oliver.

Guadagnino almeja explorar os conflitos mentais de um indivíduo em transformação (física e psicológica) e os expressar visualmente. Nesse aspecto, Me Chame Pelo Seu Nome encontra nas expressões artísticas do protagonista uma ferramenta interessante, usando cenas nas quais Elio aplica diferentes arranjos para uma mesma canção, tanto no piano quanto no violão, para representar, de forma alegórica, as transformações que permeiam a adolescência. Se por um lado a música é uma forma de Elio de expressar, por outro, sua escrita e paixão por leitura surgem como forma de ocultar seus sentimentos, ao ponto do público apenas ter pequenos vislumbres das palavras tecidas em seu diário, mas nunca ter acesso ao conteúdo inteiro, mantendo o espectador distante, na posição de voyeur.

As transformações que transpassam o protagonista ainda ganham vida pelo figurino, que se altera de acordo com a aproximação de Elio e Oliver. Note como, no primeiro ato, Elio possui um estilo bem característico dos anos 80, com seus tênis e calças jeans, mas, aos poucos, passa a adotar visual parecido com o de Oliver – que começa pela depilação do ralo bigode e vai até o uso de um pingente com a estrela de Davi. Até quando recorre ao mais óbvio – como quando o adolescente sente náuseas ou sangra por seu nariz -, o caminho escolhido é o da sutileza, não fazendo dessas manifestações de transtorno físico o cerne das passagens, mas uma ponte para o fortalecimento dos laços dos personagens, que se aproximam a fim de cuidar um do outro.

Me Chame Pelo Seu Nome é um retrato humano que, ainda que protagonizado por homossexuais, é capaz de emocionar por não fazer da sexualidade de seus personagens o único elemento de suas personalidades. Oliver é, antes de tudo, um acadêmico dedicado, esportista e irreverente, enquanto Elio é um apaixonado por arte, e por ela, ora expressa, ora omite seus sentimentos. São seres humanos, com paixões, aspirações e personalidade.

Os personagens, tão humanizados, permitem que a inocência do olhar do adolescente surja de maneira natural, assim como a dor de Oliver pela ciência da efemeridade do momento, presente em seu semblante. Eles conhecem a natureza finita de seu relacionamento, o que permite que o peso dramático da obra não surja pelo que eles dizem, mas sim pelo que deixam de dizer e pelo que não poderão viver. A força de Me Chame Pelo Seu Nome está justamente no silêncio que retrata a dor, a saudade e o amor.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Plano Aberto do Festival do Rio de 2017.

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