Assistir a uma série é o mais perto que uma pessoa pode chegar de um casamento sem se casar. E, se o Código Penal Brasileiro proíbe a poligamia, não temos esse luxo com as séries: sempre vai surgir mais uma que você “precisa” assistir pra fazer companhia às outras 379. E você vai assistir. Portanto, uma série boa é mais do que uma alegria. É um alívio. Listamos abaixo as melhores séries de 2018. Cada membro da equipe do Plano Aberto teve um voto. Se a sua série favorita do ano não entrou na lista, diga pra gente nos comentários!
Sem mais delongas, as séries que valem a pena maratonar nas férias:
Toda dirigida por Mike Flanagan e livremente adaptada de um livro de Shirley Jackson, “A Maldição da Residência Hill” impressiona, primeiramente, por conseguir extrapolar sua fonte literária, já duas vezes transformada em filme. Flanagan reaproveita nomes, rearranja situações, mas, no geral, conta uma história nova a partir do velho mote da casa mal-assombrada que praticamente tem vida própria.
Impressiona também por ser uma série de forte unidade visual e dramática, que consegue trafegar com fluidez por diferentes temporalidades para tratar de temas pesados, como luto, solidão, culpa e loucura. Flanagan até repete alguns artifícios utilizados em filmes que dirigiu (principalmente “O Espelho”, de 2013), mas também faz coisas novas. O impecável episódio seis, composto basicamente por dois grandes planos-sequências, é um exemplo disso. Coloca o diretor definitivamente entre os grandes realizadores do gênero na atualidade.
Diferente da maioria das séries, “BoJack Horseman” chegou à sua quinta temporada sem sofrer com desgastes. Os conflitos de seus personagens continuaram sendo bem desenvolvidos, sem o uso de soluções fáceis para preencher o tempo de duração da temporada.
BoJack, que se encontra em processo de reflexão desde a 3ª temporada, se dispõe a aprender como parar de machucar as pessoas ao seu redor. Os conflitos familiares das personagens, levantados na temporada anterior, são desenvolvidos. O tema assédio sexual é desenvolvido ao falar das práticas abusivas de BoJack, dentro de seus relacionamentos, e também da vida amorosa e profissional de outras personagens. A série esclarece que tudo o que sabiamos, até agora, sobre as personagens é fruto de apenas um ponto de vista. Nesta 5ª temporada, experimentamos outros olhares sobre os dramas de cada um.
Há muito “Better Call Saul” deixou de ser um simples spin-off de “Breaking Bad” e provou ter vida própria longe do cânone do grande sucesso da AMC. A série, que acompanha o advogado Jimmy McGill, acompanha uma lenta transição de um sujeito que tenta trabalhar dentro da lei mas, em algum momento, passa a operar exclusivamente nas margens dela.
Em seu 4º ano, “Better Call Saul” passa a lidar com as consequências das escolhas dos personagens. Após o fim de um importante ciclo, o quarto ano inteiro trabalha esse fechamento de ciclo como uma sombra que paira sobre os personagens remanescentes. A grande sacada dos roteiristas é não trabalhar Jimmy de forma direta, e sim refletir sua transformação no relacionamento com outros personagens, como Howard e Kim. O protagonista aparece, principalmente, pelo efeito que causa naqueles que o cercam.
Muito embora a segunda temporada de The Handaid’d Tale tenha sido inferior em potência temática e estética à primeira, e o excessivo sofrimento por que passam as personagens femininas da série tenha despertado, e com razão, grande incômodo entre as espectadoras, a série segue digna de nota por dois motivos muito interessantes.
O primeiro é o fortalecimento de outra personagem feminina além da June/Offred interpretada pela excelente Elizabeth Moss: Serena Waterford (Yvonne Strahovsky), de longe a personagem mais complexa da série e motivo pelo qual vale esperar pela terceira temporada, já que Serena caminha para transformações que podem anunciar mudanças no quadro de político e moral de Gilead, com o possível apoio de June.
O segundo é a capacidade da série de revelar na ficção alguns dos efeitos do forte movimento para a extrema direita e para o fascismo que se nota em muitos países do mundo, e infelizmente também no Brasil. Esse movimento inclui uma série de ações fascistas de repressão moral e sexual, e supressão de direitos sociais duramente conquistados ao longo do século vinte. É possível até comparar alguns personagens repugnantes da série a certas pessoas que estão assumindo o poder político na vida “real”.
Um personagem em que o herói não pode confiar é obrigatoriamente um vilão? A redenção do protagonista precisa ser feita às pressas para movimentar o roteiro? A terceira temporada de Demolidor possui um enorme êxito, difícil de encontrar nos últimos lançamentos televisivos: a paciência para contar a história sem tornar nada sonolento. Temos personagens novos que são devidamente apresentados e importantes para a história. Os arcos dramáticos são fechados de forma inteligente e sempre imprevisível.
Tendo um claro e fácil acesso aos acontecimentos das temporadas anteriores, Demolidor conquista ao fazer uma harmonização do universo. Apesar de perder um pouco de ritmo nos episódios finais, a série consegue manter a qualidade exemplar em suas cenas de ação, manter a linha sombria visualmente da 1ª temporada e superar alguns pontos de deslize da 2ª, como investir episódios inteiros em eventos rasos que não empolgam.
É difícil retratar bem a inadequação social. Há uma linha tênue entre a fiel representação de situações constrangedoras e a criação de versões escrachadas que não só não conseguem evocar a realidade como servem para nos lembrar de que estamos assistindo a uma obra fictícia. Séries que conseguem atingir esse equilíbrio costumam ser memoráveis, como é o caso de “Seinfeld”, a mais emblemática de todas elas.
Levando em conta o pontapé dado pela primeira temporada, “Aggretsuko” está caminhando para entrar nesse panteão. Dando um novo significado à expressão ‘o mercado de trabalho é uma selva’, o anime da panda fã de death metal que é introvertida demais para se impor é tão cativante quanto engraçado. Se continuar nessa trajetória, “Aggretsuko” pode se tornar uma ótima referência para todos aqueles que são tímidos demais para cantar no karaokê na frente de outras pessoas.
Muitos vão falar de “Demolidor” (e com razão, a terceira temporada da série é sensacional), mas “Luke Cage” não merece ser esquecida. O que a Netflix fez é notável em dois aspectos tão básicos que é incrível quantas vezes são negligenciados: trama e representatividade.
Do primeiro ao último episódio, cada acontecimento evolui uma história inteligente e empolgante, com tempo para todos os personagens crescerem naturalmente. Conflitos e resoluções criam ondas de impacto em cada núcleo, de modo que nada é gratuito ou desinteressante. Além disso, como é gratificante ver uma série protagonizada por negros não-estereotipados. Existem afro-americanos do Harlem e jamaicanos do Brooklyn; milionários e pobres da periferia; bandidos e policiais: todos com profundidade, coerência, identidade. Ver essas sutilezas trabalhando a favor da narrativa fazem de “Luke Cage” uma série especial.