Primeiro longa-metragem de Gabriela Amaral Almeida, “O Animal Cordial” pretende algo como um estudo observatório do comportamento humano sob pressão, levando seus personagens a reações extremas que rompem com suas capas de civilidade. De partida, portanto, há semelhanças claras com “Relatos Selvagens” (2014), de Damián Szifron. Na trama, pessoas reunidas num elegante restaurante de São Paulo entram em confrontação entre si quando um assalto ocorre no local. O dono do restaurante (Murilo Benício), seus funcionários (Irandhir Santos e Luciana Paes) e os poucos clientes presentes já no fim do expediente (Camila Morgado, Ernani Moraes e Jiddu Pinheiro) servem de “cobaias” nesse experimento social proposto pela diretora e roteirista.
No entanto, o filme não tem a força imaginada, reveladora do lado selvagem desses homens e mulheres escondido sob a aparência de cordialidade, sobretudo porque Almeida parece se recusar a apostar na perda de controle total da situação pelos personagens a partir do encadeamento de ações cada vez mais absurdas. “O Animal Cordial” é estranhamente comportado nos caminhos pelos quais leva sua história. Esteticamente inclusive, já que a assepsia do ambiente parece transbordar para o próprio filme. Há apenas um momento, protagonizado por Benício e Paes, em que isso se rompe de fato. É a melhor cena de “O Animal Cordial”: surtada, descontrolada, extrema.
Paes, aliás, é o grande destaque entre os atores. No papel da garçonete Sara, ela trafega com perfeição entre a ingenuidade sonhadora e esse descontrole total. Benício também está bem como Inácio, o patrão que conduz com certa dose de sadismo a violência criada em seu restaurante. Os outros atores, especialmente os talentosos Santos, Moraes e Humberto Carrão, têm muito pouco a fazer com personagens pequenos, que ou passam a maior parte do tempo em estado de passividade (caso dos dois primeiros) ou ficam pouco em cena (caso do último). O filme, no fim das contas, é mesmo sobre Sara e Inácio.
“Relatos Selvagens”, como se sabe, é composto por uma série de historietas, algumas boas (“Parternak”, “Bombita”), outras mais que boas (“El Más Fuerte”, “Hasta que la Muerte nos Separe”) e duas menos inspiradas (“La Propuesta” e “Las Ratas”). Essa última, bem curtinha, se passa, aliás, num restaurante, onde uma garçonete encontra a chance perfeita de se vingar do homem que, no passado, destruiu sua família. Seguindo sugestão da cozinheira do local, ela envenena o prato do sujeito, que logo passa a ser compartilhado por seu jovem filho. Assustada com o homicídio duplo que pode estar cometendo, a moça tenta salvar o rapaz e, ao mesmo tempo, manter intacta a vingança. “Las Ratas” decepciona principalmente por apostar num desenvolvimento bastante óbvio de sua trama, que, no fim das contas, passa longe de produzir o mesmo espanto que quatro das outras cinco histórias do filme produzem, decorrência do exagero das situações nelas contidas.
É o que acontece com “O Animal Cordial”. À exceção, novamente, do momento de real loucura anteriormente citado, protagonizado por Benício e Paes, não há nada de verdadeiramente surpreendente no desenrolar da história. Uma vez instalada a violência como regra, a partir do assalto no restaurante, cria-se grandes expectativas em relação à presença de atitudes inesperadas por parte dos personagens, representativas da situação limite em que se encontram. Mas as decisões tomadas por cada um deles são, cada uma a seu tempo, bastante esperadas, mesmo óbvias. Ou seja, no diálogo com “Relatos Selvagens”, “O Animal Cordial” não consegue ser muito melhor que a pior das histórias que compõem o bem-sucedido filme de Szifron.