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Que não se criem expectativas equivocadas: The Room, obra concebida, escrita, produzida, dirigida e estrelada por Tommy Wiseau, é um dos piores filmes de todos os tempos. Dizer que é o pior filme de todos os tempos sequer é um exagero. Colocado ao lado de pesos-pesados do cinema “cult trash”, como Plano 9 do Espaço Sideral, Papai Noel Conquista os Marcianos, Cinderela Baiana ou mesmo o queridinho do século Sharknado, o filme de Wiseau consegue se superar. Fora argumento patético, diálogos surreais, atuações que fariam um diretor de filme pornô gritar ensandecidamente “CORTA!”, ritmo desequilibrado, mixagem e edição de som pedestres, The Room conta com quebras de linearidade tão profundas que, independente do esforço empregado, fica impossível entender como algumas cenas se encaixam na estrutura narrativa. Ed Wood, “reverenciado” como o pior cineasta que já viveu, nunca alcançou este nirvana do “Mau Cinema”.
O Artista do Desastre narra os bastidores desta produção hoje mística. Um filme que custou cerca de seis milhões de dólares para ser feito e arrecadou em seu fim de semana de estreia impressionantes US$1.800 (sem ironias, um filme tão caro levantar tão pouco dinheiro no fim de semana de estreia realmente é impressionante). Com James Franco interpretando o misterioso cineasta (até hoje não se sabe seu verdadeiro nome, idade, país de nascimento ou a origem dos recursos que financiam seus filmes), temos um vislumbre das decisões estapafúrdias de Wiseau, como reproduzir um beco à perfeição em estúdio, mesmo estando a metros do beco original, pois “é assim que se faz em Hollywood”. Mas, mais importante do que isso, Franco – que também dirige o longa – tenta mostrar à audiência a paixão de Tommy Wiseau pelo Cinema.
E é precisamente esta paixão que torna o cinema de Wiseau honesto. O já citado Ed Wood, motivo de um dos melhores filmes de Tim Burton, dizia que Plano 9 era “seu orgulho”. O Artista do Desastre, antes de uma comédia hilariante, é um manifesto em defesa da satisfação que o próprio artista tem em produzir sua arte, pouco importando a eventual recepção negativa do público. Wiseau, assim como Wood, não busca aplausos. Diferente de diretores tão badalados quanto inseguros, ele não está comprometido com ninguém além de si próprio. Esta convicção de que a visão do criador é incorruptível e deve estar acima de tudo é compartilhada por gênios da Sétima Arte como Kubrick, Kurosawa e Tarkovsky. Falta-lhe o talento e os conhecimentos técnicos, mas é inegável que o coração de Wiseau está no lugar certo.
Custa tanto escrever um mau livro como um bom; sai com a mesma sinceridade da alma do autor. (…) A natureza é monstruosamente injusta. Não há substituto para o talento.
Aldous Huxley. Contraponto.
Em uma cena do filme de Franco, Carolyn diz algo que comprova esta tese: “nós somos atores, o pior dia no set é melhor do que o melhor dia fora dele”. Tal paixão, que à primeira vista parece apenas falta de bom senso, garante ao artista a liberdade para expor a sua visão sobre determinado aspecto da existência. Em The Room, Wiseau fala sobre como o “homem comum” pode ter sua vida destruída por uma mínima mudança no estado das coisas. Uma visão antropológica da Teoria do Caos. Fracassa pela elaboração redondamente tosca na mesma medida em que cativa pela honestidade quase inocente com que o diretor-roteirista-produtor-protagonista reverencia seus ídolos. Como na icônica cena “You are tearing me apart”, uma homenagem descarada a James Dean.
É importante ressaltar que esses filmes ditos “ruins” são muito importantes no Cinema também. Porque, se todo filme fosse genial, a Sétima Arte seria medíocre, porque a média seria a genialidade.
Maurilio “Palestrinha” dos Anjos.
Ao analisar a Arte como um processo que não se contém no resultado final (no caso, o filme que se vê na tela), O Artista do Desastre não é apenas um filme de bastidores. James Franco dá profundidade a Tommy Wiseau e mostra, por trás de cada miserável erro, uma louvável vontade de acertar. Uma obra pode ser analisada apenas pelo que ela é, mas saber seus porquês é o que a torna especial. Você pode gostar de “Ruby Tuesday”, mas saber que Keith Richards a escreveu enquanto sofria pelo término com Linda Keith a torna ainda melhor. Da mesma forma, saber que Wiseau só queria mostrar ao mundo que era capaz de contar uma história, apesar da comédia involuntária, nos torna em admiradores de sua paixão pelo Cinema, coragem em se expor e honestidade ao fazê-lo. Diferente de filmes que prometem e não cumprem, The Room é exatamente o que se propõe a ser. E O Artista do Desastre é a melhor forma para entender porque.