Plano Aberto

Stranger Things – 2ª Temporada

Fenômeno mundial e um dos maiores sucessos da história da Netflix, Stranger Things conquistou o público pelo carisma de seus personagens, pela nostalgia evocada com as referências à década de 80 e pela simplicidade da trama, que amarrava com competência os arcos em uma mistura bem-sucedida de comédia e suspense. Prometendo expandir o universo de Hawkins, o mundo invertido, e trazer de volta os personagens queridos como Dustin, Eleven e Michael, a segunda temporada, então, se tornou, desde seu anúncio, uma das temporadas de série mais aguardadas de 2017. Infelizmente, pouco funciona, e o que temos é uma série desengonçada, que é eficiente em seu primeiro terço, mas que aos poucos se desmonta como um castelo de papel, tornando-se tudo o que não foi em seu primeiro ano: pretensiosa, mal escrita e inchada.

Todos do elenco principal estão de volta. Will, mais uma vez, é atormentado por elementos sobrenaturais oriundos do mundo invertido que o assombram e, por tabela, ceifam a paz de sua família e amigos, que se preocupam com seu bem-estar mental. Enquanto isso, uma nova ameaça surge com a promessa de invadir Hawkins, ao passo que Eleven, que retorna, tem sua própria jornada para reencontrar os colegas. Além deles, novos personagens, como os irmãos Billy e Max, tendem a equilibrar os elencos do “bem” e do “mal”. Como a descrição pode sugerir, sim, a segunda temporada de Stranger Things tem muita história para contar. Muitos arcos a serem desenvolvidos, entrelaçados e justificados.

Max e Billy: a dupla de novos personagens não empolga.

Os problemas começam já no começo da temporada. A nova ameaça (o monstro feito de sombras que surge nos sonhos e devaneios de Will) é imponente visualmente, mas não traz desenvolvimento algum. Não há noção de suas intenções e poderes, o que faz sua magnitude só existir graças à força de sua aparência. Isso não seria um problema, claro, se sua natureza fosse o grande mistério do ano 2, mas o que vemos é o oposto. A segunda temporada de Stranger Things se encerra sem dar nenhuma pista do que seria o monstro que movimenta toda a trama, fazendo com que a série termine muito próxima de onde começou – ou seja, os micro-arcos dos personagens podem até funcionar (a maioria não), mas a história pouco avança ao longo de nove episódios.

Billy e Max, a dupla de novos personagens, também pouco traz. O primeiro é encarregado de encorpar o time de vilões, mas está sempre deslocado na história e serve apenas como bully ou elemento narrativo que se insere como empecilho entre Max e o grupo de protagonistas, além de criar um desnecessário mistério sobre a origem dele e de sua irmã. Já Max, mesmo sendo uma personagem interessante (e que, pelo fato de o título do primeiro episódio ser em sua homenagem, dá a impressão de que terá alguma importância), nunca tem sua personalidade desenvolvida. Tanto Max quanto Billy só ganham arcos dramáticos nos episódios finais, quando sua ida à cidade de Hawkins é justificada. Em todo o restante da temporada, surgem apenas como ferramentas para movimentação de outros núcleos, o que faz com que suas presenças sejam desvalorizadas.

Os irmãos Duffer dirigem o elenco mirim de Stranger Things.

Talvez o arco mais interessante seja o de Eleven, que permite o levantamento de questões interessantes, como quando uma criação excessivamente protetora acaba se tornando uma ditadura familiar e impedindo que a criança interaja com o mundo. Por exemplo, o lar onde a personagem fica por metade da temporada acaba sendo fotografado como um calabouço, com baixa ou nenhuma iluminação (que, quando existe, vem de fora do ambiente, geralmente através de janelas ou pela televisão). Com isso, cria-se com coesão um cenário opressor para a jovem. Por outro lado, quando a personagem parte em sua jornada de empoderamento, são inseridos novos núcleos que não acrescentam nada à trama da temporada, e servem apenas para inchar a história de Eleven enquanto ela descobre suas origens. Meia dúzia de personagens entra e sai da série como se nada tivesse acontecido, e fazem Stranger Things flertar com tons de narrativa bem distantes do que vemos no resto do programa – há até um momento que lembra, pasmem, uma versão mal feita dos X-Men.

No elenco de apoio, a série encontra respiros. A relação de Jonathan e Nancy, por exemplo, traz uma graciosidade que funciona pelo esforço das atuações da dupla Charlie Heaton e Natalia Dyer. Jonathan, aliás, é um dos mais subaproveitados personagens da série. Note-se, por exemplo, como ele é o único da família, que ainda inclui Will e Joyce, a mencionar o pai que abandonou a família nos momentos importantes, o que, de forma sutil, indica que ele ainda é um jovem introspectivo e tímido pela dificuldade em superar a ausência de seu progenitor. Joyce e Hopper também formam uma dupla interessante, mas acabam prejudicados pelo excesso de subtramas, que impede um melhor desenvolvimento deles. Enquanto Joyce tem sua trama sempre atrelada a Bob Newby, num romance desinteressante que só existe para justificar viradas do roteiro (como quando Bob ajuda a namorada a decifrar o mapa de Will), Hopper acaba tendo que conciliar sua relação com Joyce, Eleven e sua carreira como xerife. Com Eleven, a humanidade presente na atuação de David Harbour faz com que possamos compreender todas as escolhas do personagem, até quando o policial imerge em um lado sombrio e dominador.

Will novamente é o elo entre Hawkins e o mundo invertido. Show de criatividade.

O maior pecado da segunda temporada é o excesso de tramas nas trajetórias de alguns personagens, enquanto outros passam nove episódios no marasmo. Mike, por exemplo, passa a totalidade do segundo ano reclamando da ausência de Eleven e sendo rude com os novos personagens (o que torna o jovem insuportável). Mas outros, como Dustin, Eleven e Hopper, precisam administrar, às vezes, três arcos dramáticos paralelos. Dustin precisa lidar com sua atração por Max, enquanto o roteiro trabalha sua amizade com Steve e sua relação com o novo bicho de estimação; Eleven precisa fugir do cárcere enquanto deseja reencontrar os colegas e, paralelamente, busca encontrar seu lugar no mundo e resolver os mistérios acerca do destino de sua mãe; Hopper precisa aprender a ser pai enquanto cuida da cidade onde é xerife e tenta se aproximar de Joyce. Em uma série de apenas nove episódios e com tantos personagens, o resultado acaba sendo a existência de subtramas superficiais e dependentes de diálogos expositivos, que muitas vezes não dão conta do desenvolvimento, que ocorre de maneira descuidada e deixa muita coisa incompleta pelo caminho.

Stranger Things “2” não chega a ser ruim, mas não traz a nostalgia da primeira temporada, não tem histórias simples ou envolventes como em seu ano de estréia, e muito menos consegue impor um mistério tão atrativo quanto o anterior – ao contrário, o grande mistério, aqui, soa mais como uma repetição genérica dos elementos sobrenaturais trazidos em 2016. A obra é ainda mais prejudicada pela péssima ideia de dividir o elenco central, impedindo que a química entre Will, Mike, Lucas e Dustin seja o cerne da narrativa, como aconteceu na temporada de estréia. Como resultado, a série fracassa de forma retumbante ao tentar trabalhar temas como abandono e paternidade, enquanto se esquece de desenvolver seus personagens novos além de, paralelamente, inserir muitos dilemas não trabalhados nos antigos. O humor ainda funciona. O visual oitentista agrada. A trilha sonora e os penteados típicos da década dos exageros estão de volta. Mas, retirando o véu de nostalgia barata, encontramos uma trama confusa, pobre e covarde.

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