Plano Aberto

The Ballad of Buster Scruggs

The Ballad of Buster Scruggs

As histórias de uma antologia são unidas por um tema e/ou um período em comum. “The Ballad of Buster Scruggs”, filme de Joel e Ethan Coen para a Netflix, não faz diferente: suas seis histórias se passam no período do “Velho Oeste Americano”, quando todo o território da Louisiana ao Oceano Pacífico estava em litígio, onde a única lei era a da pistola mais rápida e o sonho de ficar rico era tão tentador quanto perigoso. É no tema que a obra se destaca, desviando constantemente de qualquer trilha moral comum a este que é um dos gêneros formadores do Cinema Americano.

Provavelmente, veremos Tom Waits se vestindo assim pelos próximos cinco anos

Em primeiro lugar, porque não há uma moral, no estrito senso do termo. Histórias com moral estabelecem que determinadas ações ou intenções são certas, enquanto outras são erradas. Dessa forma, o sucesso – ou fracasso – de um personagem pode ser tanto satisfatório quanto condenável, de acordo com o seu código moral e o choque entre o código moral do espectador. Mas não é isso o que acontece em “The Ballad of Buster Scruggs” (o filme e também o segmento de mesmo nome). Personagens condenáveis encontram seu fim pelas mãos de personagens igualmente condenáveis; outros encontram justiça por meios injustos, como um bandido que é condenado à morte por um crime que não cometeu; há também um clima constante de apatia ao longo de cada segmento, onde o absurdo caminha lado a lado com o banal. Esse tom encontra paralelo no realismo mágico da segunda metade do século XX.

Se existe um momento que sintetiza “The Ballad of Buster Scruggs”, é esse: uma imensidão inabalável, onde ninguém se importa com nada além dos próprios interesses

A única certeza ao longo dos segmentos de “The Ballad of Buster Scruggs” é a imutabilidade daquele espaço amplo, árido, inexplorado e hostil. Para cada pistoleiro morto, haverá outro a ocupar-lhe o lugar; para cada execução, uma plateia aplaudindo; mesmo crimes bárbaros são incapazes de mudar a rotina de um mundo que parece ter vida própria. E tudo está nas mãos do acaso.

Trabalhando com o acaso, os Coen criam seis pequenas histórias imprevisíveis, o que ajuda no estabelecimento da ansiedade por parte do espectador, incapaz de saber o que o destino de cada protagonista lhe reserva (ou como este será selado). Ao contar histórias de forma alguma interligadas (elas apenas existem no mesmo período histórico), a audiência é “proibida” de buscar por um “sentido maior” no que acabou de ver, ou de saber o que acontece quando a história acaba. À exceção dos mortos, não há nenhum indício de que qualquer personagem terá um final “feliz” ou “triste”.

Na verdade, existe uma indicação escancarada de que o final “feliz” (nesta alegoria direta ao Paraíso) está reservado aos mortos

O roteiro vira em um filme crítico ao Western quando encontra na fotografia um trabalho focado na reconstrução de atmosfera deste gênero. Grandes planos gerais, que mostram a pequenez do homem colonizador nas terras inexploradas; uma paleta árida e dessaturada, que funde o céu e a terra, diminuindo contrastes e aumentando a ideia de imensidão e de vazio; contra-plongées, que estabelecem relações de poder e submissão entre personagens. Esse vocabulário visual traz consigo um vocabulário temático de homens destemidos prosperando pela força e astúcia, mas também pela ética pessoal (como no icônico “O Bom, o Mau e o Feio”, de Sergio Leone). No Western, mesmo o protagonista mais violento tem algo de “humano” em si, algo com que a audiência simpatiza, que deixa ambos “do mesmo lado”. Não é o caso aqui. Os conceitos de Bem e Mal, certo e errado, inexistem, assim como qualquer senso de justiça, ação e reação. Pessoas boas ficam pelo caminho. Pessoas ruins seguem em frente. Pessoas que sequer sabemos direito se são boas ou ruins desaparecem da mesma forma inesperada que apareceram.

Nos quadros de abertura das seis histórias, sempre vemos uma grande área selvagem a ser explorada pelos personagens (guardadas as proporções, é o mesmo com President Pierce)

Há espaço também para pequenas ironias genais, típicas dos Coen. Em “Vale Refeição”, o artista sem braços e pernas recita “Ozymandias”, de Percy Shelley, um poema que versa sobre um grande rei que há muito fora esquecido. Já em “A Garota Nervosa”, o grande “vilão” é o cachorro President Pierce, uma referência direta a Franklin Pierce, um governante fraco que, aliando decisões erradas e carisma, causou a Guerra de Secessão e a morte de seu próprio povo.

O uso do contra-plongeé em dois momentos do filme

“The Ballad of Buster Scruggs” revisita um gênero quase tão antigo quanto o próprio Cinema dos Estados Unidos não para falar do presente, mas para propor um novo olhar sobre o passado. A diferença entre herói e vilão muitas vezes é apenas uma questão de escolha. Os Coen escolhem não escolher. Assista aqui.

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