Plano Aberto

The Walking Dead – 7ª temporada (parte 1)

The Walking Dead: Negan (interpretado por Jeffrey Dean Morgan) apoia Lucille, um bastão de baseball com arame enfarpado.

The Walking Dead nunca superou sua primeira temporada. Provavelmente, nunca irá. Dirigida e escrita por Frank Darabont (do ótimo O Nevoeiro) em seus primeiros quatro episódios, a série fez uso de uma bem-vinda estética cinematográfica, tanto na linguagem quanto na escala de produção. A saída de Darabont jamais foi compensada. Desde seu segundo ano, o programa alterna altos e baixos de forma embaraçosa, como na terceira, onde encontramos em sua primeira metade o momento mais empolgante do seriado, e na segunda o mais vergonhoso, com direito a vilão que planeja começar uma guerra e em seguida extermina seu próprio exército.

Para alívio do espectador, The Walking Dead encontrou alguns lampejos de recuperação, principalmente entre a quarta e a quinta temporada, quando os personagens tentavam sobreviver encarando o mundo sem lar e segurança. A chegada de Alexandria e todos os novos personagens, ao fim da quinta, sinalizavam uma nova fase que poderia ter sido um salto de qualidade. Não foi. Os mesmos erros se repetiram: personagens bidimensionais, conflitos internos tão profundos quanto uma vala e muita covardia ao explorar as novas possibilidades narrativas.

Esse sétimo ano abre exatamente onde o anterior fechou, com Negan brutalmente assassinando membros do grupo de Rick para se impor perante o protagonista. O problema é arrastar a tortura psicológica do vilão por 60 minutos. Ao invés de desenvolver Negan, dar alguma camada extra ao personagem, a série prefere focar na vulgar cena das execuções  e mostrar o quão “malvado” é o antagonista de Jeffrey Dean Morgan. Até agora pouco sabe-se sobre o antagonista, apenas que ele é teatral e sádico.

E para o desprazer do público, essa pobreza se arrasta por toda a temporada. Todas as cenas de Negan são praticamente idênticas. No começo, claro, era divertido por ser novidade, já no terceiro capítulo torna-se insuportável. É inconcebível que a produção do programa não perceba que o antagonista se resume à frases de efeito com as mesmas entonações separadas por longas pausas (ou risadas tão verdadeiras quanto o Papai Noel) e aquelas caricatas e bobas inclinações de coluna. Cada episódio mostra o vilão tentando subjugar um personagem diferente, ao ponto que seu poder e suas escolhas tornam-se inverossímeis. Se o líder é odiado por todos, como ninguém ainda o destronou? Qual o sentido da tortura psicológica de Negan? Qual a desculpa para manter Rick vivo?

Mas o maior problema vai além da má atuação de Jeffrey Dean Morgan (que não é mau ator, diga-se de passagem, só está sendo pessimamente guiado pela direção). A partir do segundo episódio, o seriado foca em apenas um núcleo narrativo por semana. Não tinha como dar certo. Personagens como Eugene, Rosita e Tara não recebem o mínimo de capricho do script para ter alguma personalidade, a sensação é que são apenas ferramentas para a condução de algum acontecimento. De forma espantosa, essa situação se estende por quase todo o elenco, quase nenhum dos sobreviventes possui nenhuma individualidade, todos são apenas peças do tabuleiro para a o programa desenvolver tramas. E o problema é óbvio: sem pessoas com conflitos interessantes, nunca haverá uma trama interessante. A história falha no que deveria ser seu pilar básico: a existência humana.

Os dois únicos personagens com alguma profundidade e arcos dramáticos bem explorados eram (destaque para o tempo verbal) Carol e Rick. A primeira foi despedaçada na última temporada, quando o roteiro conseguiu desconstruir tudo de interessante que havia feito com a personagem, reduzindo-a à uma “assassina aposentada”. O segundo teve seu psicológico destruído no fim do sexto ano e desde então é praticamente um enfeite, tendo apenas o belo diálogo sobre amor e paternidade como salvação, em todas as outras cenas se limita a, com cara de raiva, observar os Salvadores fazerem maldade com seus colegas.

Não tendo mais nenhum personagem com alguma camada extra, a divisão por núcleos torna todos os episódios cansativos. O núcleo de Hilltop é homogeneamente ruim. Quem poderia salvar é Maggie, que por perder seu marido, tendia a tomar novos rumos. Mesmo assim, todas as mudanças que surgem para a personagem são artificiais e forçadas, como o vergonhoso momento em que ela tenta orientar um grupo para proteger a colônia de uma invasão zumbi, a fim de estabelecer de forma totalmente óbvia sua crescente postura de líder. Na cena, um grupo observa o ataque até que Maggie oriente cada um a fazer algo para conter os mortos-vivos. Onde estavam os líderes da colônia? Para coroar o momento vergonha alheia, somos sujeitados a uma cena de Jesus enfrentando zumbis com chutes e voadoras, como se fosse um Power Ranger.

Um importante núcleo é a recém-apresentada colônia do Reino, que traz Morgan, Ezequiel e Carol. Mesmo sendo interessante observar a estética teatral do Reino, a forma com que os personagens externos interagem com eles torna toda a encenação muito destoante do tom da série. É difícil imaginar essa subtrama sendo conectada às outras, e isola-la em um episódio dedicado exclusivamente à ela não resolve o problema. A direção de arte de todo o cenário do Reino é semelhante à o de uma peça de teatro infantil. Claro que, no contexto do apocalipse zumbi, é compreensível, principalmente pela falta de recursos, mas todos os elementos tornam o Reino muito destacado de todo o tom do programa, o que tende a ser um problema na próxima temporada.

Ainda há, claro, a turma de Alexandria, largada às moscas e cheia de personagens com momentos de pseudo-heroísmos que, ao refletirmos por dois minutos, vemos que não são dignos de alguém que já passou da adolescência. Ironicamente, o único que se salva é Carl, justamente o único adolescente do local, Chandler Riggs consegue dar uma humanidade muito verossímil ao filho de Rick. A série ainda alcança o fundo do poço ao dedicar um episódio inteiro à Tara, que é possivelmente a pior personagem da história de The Walking Dead. Assim como em todos os outros novos núcleos, o de Tara introduz quase uma dezena de novos personagens que, provavelmente, não terão participação maior do que cinco ou dez minutos no futuro da série e são ignorados solenemente por todo o restante do sétimo ano.

Alguns desses núcleos, porém, até funcionam se analisados isoladamente, como o episódio que explora o clima soturno do território de Negan e a insatisfação de seus soldados. Mas até esse momento é prejudicado pela limitada direção. Ora, se Negan está contando para Daryl tudo de ruim que fez com Dwight, ao invés  de mostrar a face séria e imutável de Daryl, por que não explorar o ódio oculto de Dwight? Por que não mostrar o crescente desejo de vingança? Por perder inúmeras oportunidades como essa, The Walking Dead é um fracasso quando falamos de desenvolvimento de personagens.

 O season finale da sétima temporada até tenta salvar, mas The Walking Dead é caso perdido. Aqui a série faz o que deveria ter feito em todos os oito episódios, mostrar um pouco de cada núcleo em um só capítulo. Ao desenvolver o Reino apenas no segundo e no último episódio, a construção do clima dos personagens dessa colônia é falha. Por revisitarmos os personagens dessa trama seis episódios depois, o andamento da narrativa é completamente estraçalhado. Como não há um senso de continuidade, é impossível nos apegarmos à qualquer traço apresentado. E o pior é constatar que essa falta de encadeamento é presente em todas as tramas da série.

E como se não bastasse ter encontrado o fundo do poço, The Walking Dead cava mais. Com cenas tão previsíveis quanto um show de fim de ano do Roberto Carlos, o roteiro tenta surpreender o espectador ao mesmo tempo que a série imprime uma exagerada tensão com uma música crescente que aponta a chegada de um clímax. Ou seja, ao mesmo tempo que o script tenta despistar o que acontecerá, o  som do programa  esfrega na cara do público que há algo ruim a caminho.

Mas nem só a trilha sonora e as atuações estragam a série. A direção, além de ser incapaz de construir uma personalidade visual para Negan, insiste em filma-lo sempre no contra-plongée (de baixo pra cima), a fim de dar-lhe grandiosidade. Essa opção foi interessante na introdução do antagonista, mas ao usar o recurso por uma temporada inteira, torna-se banal e tira a força de cenas onde a opção poderia ter algum impacto. Aliada à atuação de Jeffrey Dean Morgan, as cenas do vilão  tornam-se uma verdadeira aula de má construção de personagem.

Para piorar, o excesso de close-ups em cenas de tripas e mutilações não só é exagerado como não traz nenhum enriquecimento narrativo. Ao invés de usar o poder da sugestão, The Walking Dead recorre à apelação mais covarde possível e tenta impactar esfregando a câmera em miolos e sangue. Além das cenas que abrem a temporada, o confronto da sinuca é desnecessário e, por não ter um desenvolvimento precedente, torna-se totalmente banal. Não há violência à serviço da história, apenas sangue por sangue para chocar o espectador.

A nova fase tinha tudo para dar um novo rumo ao programa, mas só conseguiu ser uma amálgama de tudo de ruim que a série da AMC trouxe até hoje: personagens rasos e sem conflitos internos, que só existem para conduzir a trama; núcleos desconexos e mal desenvolvidos; vilões caricatos e inverossímeis (mesmo dentro da estética do seriado); violência fútil que não presta serviço à narrativa e conclusões anti-climáticas. Tudo isso unido por uma série com fotografia e direção óbvias, montagem ilógica que torna o ritmo arrastado e trilha sonora pobre que força tensão à todo momento. Ainda bem que aos domingos ainda havia Westworld.

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