Guia de publicações da série especial sobre a obra de J.R.R. Tolkien:
- Parte 1: a respeito da narrativa indireta e a visão tolkieniana do Gênesis (clique no link)
- Parte 2: os planos originais de Eru Ilúvatar e seus desvios (clique no link)
- Parte 3: a influência de seu casamento na Balada de Beren e Lúthien e o o simbolismo das Silmarils (clique no link)
- Parte 4: Túrin e a maldição de Morgoth (clique no link)
- Parte 5: sobre Tuor, a influência dos Valar e a queda de Gondolin (clique no link)
- Parte 6: as restrições a respeito da miscigenação na obra de Tolkien (você está aqui)
- Parte 7: a condescendência de Tolkien com o imperialismo (clique no link)
Uma análise atenta aponta duas recorrências na narrativa tolkieniana: a união entre povos é positiva, mas não é qualquer união que é bem-vinda.
Misturados, mas não tanto
O filho de Tuor e Idril se casa com a neta de Beren e Lúthien. A miscigenação em Tolkien, quando positiva, tem um pé na eugenia (existem referências diretas à negatividade da miscigenação genérica em O Silmarillion e nos apêndices de O Retorno do Rei). Os meio-elfos “puros” tiveram dois filhos, Elros e Elrond, este sendo um personagem importante em O Senhor dos Anéis. Falaremos deles em breve, mas já fica claro no argumento do autor que esta família, por contar com uma miscigenação “aceitável” de elfos e homens notáveis em sua árvore genealógica, tem a melhor condição para defender os interesses dos Filhos de Ilúvatar na Terra-média.
A Silmaril, a mesma resgatada pelos avós de Elwing, foi fundamental para que ela e Eärendil chegassem a Valinor. Já dito anteriormente, Tolkien dá indícios de desprezo pela idolatria sem propósito, mas supervaloriza objetos ou monumentos nos quais as pessoas depositam fé e respeito genuínos, como o local sagrado de Amon Anwar e o Frasco de Galadriel.
Reforçando a rigidez restritiva quanto ao tema “miscigenação”, os Valar exigem que Eärendil e Elwing escolham o destino dos homens ou dos elfos. Este direito é estendido a seus descendentes diretos. Enquanto o casal decide viver eternamente velejando pelos céus, seus filhos se separaram: Elros abraçou a mortalidade dos homens, enquanto Elrond escolheu ser julgado como elfo. Ao escolher um lado, o outro é inevitavelmente negado, como um gene recessivo que não se manifesta.
Guerras longas, narrativa rápida
Aquela que ficou conhecida como Guerra da Ira, apesar de longa e sangrenta, não faz o leitor duvidar em nenhum momento sobre qual será seu desfecho. Essa é outra justificativa para Tolkien contar suas histórias como um narrador onisciente: seu quase desinteresse pelas batalhas (perceba que a Batalha dos Cinco Exércitos ocupa menos de dez páginas em O Hobbit).
O que realmente importa para o autor são os processos de tomada de decisão de seus personagens e as consequências da guerra. A principal consequência da Guerra da Ira foi a destruição de Beleriand. Sem um lar, os homens foram recompensados pela sua participação na derrocada de Morgoth com um reino isolado e próspero, Númenor. Os elfos foram perdoados e puderam voltar para Valinor, embora muitos tenham preferido continuar à espreita, sabendo que a prisão de Morgoth não significava o fim do mal que ele causou (o mal nunca se vai nas obras de Tolkien, talvez um espasmo do veterano de guerra por trás da fantasia).
E, finda a Primeira Era do Mundo, começa a Segunda. Os debates filosóficos se aprofundam aqui, pois é nela que Sauron ganha protagonismo como vilão e forja o Um Anel, os elfos questionam de forma mais incisiva seu papel em Arda e os homens começam a ambicionar a imortalidade.